segunda-feira, 7 de março de 2011

Contribuição para política de cultura

Por Célio Turino

Tenho acompanhado este debate em torno das políticas do MinC evitando declarações. Isto porque o tempo do governo da presidenta Dilma ainda é muito curto e qualquer entrada na discussão da parte de alguém que participou do governo Lula e não esta mais no governo pode ser mal interpretada. Todos sabemos que o comum no debate entre política e governo é reduzir opiniões e princípios a meros instrumentos de disputa de poder, por isso, em respeito ao momento e aos princípios do programa Cultura Viva tenho me mantido afastado do debate. Não que isto signifique omissão, muito pelo contrário, ou alheiamento ao debate (tenho procurado ler tudo que tem sido discutido no processo). Quanto às minhas opiniões, conceitos e princípios, julgo que já estão bem explicitadas em livro e artigos, tanto em relação às práticas quanto ao pensamento, afinal, como gestor público que também é escritor e pensador da cultura, sempre torno públicas minhas posições.

Isto esclarecido, gostaria de entrar no debate sobre alternativas de legislação na relação entre Estado-Sociedade (e sem que isto pressuponha nenhum juízo de valor em relação às posições da atual gestão no MinC).

SOBRE GESTÃO:
o modelo adotado no Cultura Viva é a Gestão Compartilhada e Transformadora. Este é um conceito e não meras palavras, ele pressupõe a prospecção de novas relações entre Estado-Sociedade e um novo tipo de Estado; o que exercitamos até aqui são pequenas brechas que devem ser ainda mais alargadas no processo de desenvolvimento desta relação. Recuperando o histórico do programa diria que a opção pela forma convênio aconteceu porque esta foi a única alternativa oferecida no momento (apresentada pela consultoria jurídica do MinC) e que se a opção fosse uma outra forma, talvez nem tivéssemos saído das intenções. De certa maneira, até para entender os limites desta modalidade, foi necessário que a enfrentássemos. E notem, houve mudanças no processo e em função de nossa atuação (as parcelas passaram de semestrais para anuais; o Ministério do Planejamento editou nova IN - instrução normativa - aceitando 15% de despesas administrativas; quando das redes municipais e estaduais a contrapartida por parte das entidades - 20% do convênio- foi eliminada). Tudo isso só foi possível graças ao enfrentamento da modalidade convênio. Também começamos a adotar a modalidade Prêmio (dezenas de prêmios e milhares de contemplados), não somente para Ações, como também para os próprios Pontos de Cultura (São Paulo adota esta modalidade nos 300 pontos da rede estadual e outros governos podem adotar a mesma solução - aqui atento ao fato que isto foi resultado de um ano e meio de negociação com o gov de sp e respectivos jurídicos e, pelo que tenho acompanhado, o governoerno do estado tem tido uma atuação de profundo respeito ao
acordado).

Com este breve histórico, quero mostrar que houve grandes evoluções na gestão do programa e hoje os problemas de prestação de contas e gestão de convênios reduzem-se a 20% do total dos Pontos de Cultura (exatamente aqueles que fizeram os convênios diretos com o MinC e em alguns governos de início). Não fazer este diagnóstico significa caminhar em um pântano em que todos se enredam num processo de não solução . Qual a solução para esses 20% (aproximadamente 600 Pontos)?

A anistia da prestação de contas contábil (admitindo-se retroativamente a apresentação de despesas administrativas conforme nova instrução do Min. Planejamento e pagamento de dirigentes de entidades desde que prestadas em atividade finalística e não de gestão da entidade - o que já permitido na IN e que só tem emperrado por falta de uniformização e entendimento da mesma) desde que o cumprimento do objeto seja comprovado (afinal, foi a própria entidade que disse o que iria fazer e não há motivos para que esta comprovação não aconteça em fotos, depoimentos e relatórios). Esta decisão é plenamente possível e muito usada (vejam exemplos com as dividas de ruralistas, quase todo ano sendo renegociadas e abonadas) e depende de decisão política para além do MinC.

Há outros problemas de gestão que podem ser solucionados de forma infralegal, por procedimentos internos:

- A secretaria responsável tem que ter estrutura funcional para realizar seu trabalho (entre 2004 e 2010 contatamos com um único gerente e 4 subgerentes para todas as funções - conveniamento, acompanhamento, fiscalização e controle - e uma quantidade mínima de funcionários. Não pode ser assim, há um princípio em gestão pública que deve ser seguido: ("quem seleciona não contrata, quem contrata não acompanha, quem fiscaliza não paga, quem paga não fiscaliza a prestação final"). Não pensem que não levantei este princípio diversas vezes em minhas reinvindicações por melhor estrutura funcional, mas não consegui este intento e nem é o caso de retomar os motivos. Quem sabe agora;

- O Fluxo antecede a estrutura. Este é um princípio filosófico (já devem ter ouvido isto em minhas conversas com os Pontos: Heráclito, Hegel, fenomenologia, etc) que praticamente definiu a construção teórica do Cultura Viva. É o dinamismo de um fluxo contínuo que permite a vida e ele deve acontecer em toda relação entre Sociedade e Estado. Quando o governo
interrompe o fluxo, não cumpre compromissos, atrasa pagamentos, muda formatos, ele quebra este processo. E neste caso, temos que admitir, o principal responsável pelo interrompimento do fluxo e descumprimento de contratos tem sido o própio governo, trazendo grandes transtornos às entidades conveniadas. Imaginem se essa quebra acontecesse no pagamento da dívida pública? Ou em um organismo vivo? Há o necrosamento, a gangrena.

SOBRE A SOLUÇÃO LEGAL:
Voces sabem que sempre defendi que a lei CULTURA VIVA fosse de iniciativa popular, tenho falado isso há anos. Infelizmente o movimento não revelou força, compreensão e até mesmo maturidade para elaborar esta lei. Paciência, vamos tentar recuperar as oportunidades perdidas e ir em frente. O modelo de lei voces podem ver na que foi apresentada na Argentina (Cultura Viva Comunitária) no final do ano passado e elaborada pelo próprio movimento cultural argentino com o nosso auxílio, e que começa a replicar em diversos paises. Esta lei garante o programa Cultura Viva e seus princípios básicos (autonomia, protagonismo, empoderamento, desenvolvimento em rede), por isso é necessária.

Porém, precisamos de mais uma lei, com abrangência para além do Cultura Viva. A LEI DA AUTONOMIA E PROTAGONISMO SOCIAL. Que lei é esta? Uma lei que coloque este processo de compartilhamento entre Estado e Sociedade em um marco diferente da 8.666, que é a lei geral de licitações e que foi pensada muito mais para a contratação e acompanhamento de compras e serviços pelo Estado, que são de natureza distinta das motivações para parcerias com organizações da sociedade. Pelo que tenho acompanhado, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência) está incumbido desta função. É lá que vocês tem que negociar esta outra lei, mais que necessária (depois, se quiserem, posso escrever sobre como imaginei esta lei). Percebam que aqui os benefícios serão gerais, atendendo igualmente a coletivos ambientais, núcleos de educação popular, gestão participativa na saúde, etc. Neste caso eu diria que os Pontos de Cultura tem uma grande contribuição a prestar, pois, em razão da experiência que tivemos nestes 6 anos, talvez representem o que de mais avançado se construiu neste sentido.

Enfim, ainda há muito por fazer, mas muito já foi feito e sei que, com base em bons princípios e propósitos, construiremos um Estado de novo tipo, ampliado e baseado na relação de confiança e não do controle.

Bom movimento a tod@s


CÉLIO TURINO
gestor público, escritor e pensador sobre cultura

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