sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Juca Ferreira

O Globo - RJ, Opinião, em 12/02/2010


O Ministério da Cultura vem promovendo nestes últimos sete anos um importante debate público sobre a ampliação de recursos e novos mecanismos que garantam o incentivo e o financiamento à altura da grandeza e da diversidade da cultura brasileira. Considerando que 80% do que o MinC atualmente repassa para apoiar a produção cultural vão através do mecanismo da renúncia fiscal, uma parte importante deste debate é sobre a Lei Rouanet, suas distorções e insuficiências acumuladas nestes 19 anos de existência.

Os números da concentração são tão graves que seria uma covardia da nossa parte e um desrespeito com o povo brasileiro e com os que criam e produzem cultura nos quatro cantos do Brasil se nós não tivéssemos sido firmes e determinados em apontar a necessidade de aprimoramento, mesmo tendo que enfrentar os que se beneficiam do dinheiro público de forma privilegiada… Nesse cenário de maturidade democrática, de fortalecimento da crítica e do diálogo, espanta a forma como O Globo, em sua coluna Opinião (7/2/2010), tratou o tema. O editorial chama de “êxito” o resultado de uma lei que estimula a distribuição de dinheiro público sem critérios e desestimula o investimento privado. Em 18 anos de Lei Rouanet, só 5% foram dinheiro privado e apenas 3% dos proponentes - quase sempre os mesmos - tiveram acesso a mais da metade do dinheiro gerado pela lei. Apesar de ser uma lei federal, ela pretere 25 das 27 unidades da federação. Em torno de 80% desse dinheiro ficam em dois estados e, dos cerca de seis mil artistas que recebem o crédito do MinC e que buscam apoio de algum departamento de marketing, só 20% conseguem.

Quase sempre os mesmos. Logo, o argumento de que não se deve mexer na lei porque ela é boa para o país é falacioso e a manutenção da atual só é positivo para as poucas organizações que compõem esses 3% dos que conhecem o caminho das pedras que leva ao “sim” dos departamentos de marketing. Podemos ter uma lei muito melhor, ao acesso de todos os artistas produtores e organizações culturais de todo o país, como parte do esforço do atual governo de dotar a cultura brasileira de reconhecimento, peso político, recursos e políticas estruturadas. Onde o jornal vê intervencionismo estatal, nós praticamos o fortalecimento do protagonismo da sociedade civil e a ampliação do acesso a um recurso que antes era destinado a poucos.

Em vez da velha mistificação que nos lembra os anos de autoritarismo, sugiro que apontem no texto do projeto de lei onde esse dirigismo se manifesta. É muito mais produtivo participar do debate do que tentar inviabilizá-lo. A iniciativa privada foi, é, e continuará sendo nossa parceira na promoção da cultura no país. Há empresários que atuam no setor de modo louvável.

O que se espera de uma jornal efetivamente comprometido com a sociedade brasileira é que, em nome da grandeza cultural brasileira, coloque em segundo plano seus interesses como captador de recursos da Lei Rouanet. O Globo poderá prestar um grande serviço à cultura brasileira, na medida em que, como órgão de comunicação respeitável e prestigiado, participar do debate com a transparência e o respeito que o país merece.

Juca Ferreira
Ministro de Estado da Cultura (por e-mail, 11/2), Brasília, DF

NOTA DA REDAÇÃO: No debate de quase um ano sobre as propostas do ministros de uma nova Lei Rouanet, O Globo não tem sido o único a apontar o vício dirigista embutido no projeto do MinC. O mesmo vício que contaminara a ideia da Ancinav, também do ministério, engavetada pelo governo diante das críticas à intenção da Pasta, à época sob o comando de Gilberto Gil, de intervir na produção audiovisual do país. É verdade que os recursos aplicados via Lei Rouanet são públicos, mas eles advêm de impostos cobrados ao contribuinte. Se a nova lei retirar dele o poder de escolha do que apoiar, e transferi-lo à burocracia estatal, que se arroga representante da “sociedade civil”, quem gera renda e recolhe imposto preferirá pagá-lo efetivamente, sem se valer do incentivo. E assim a cultura perderá apoio financeiro. Em tempo: a redação do Globo não se vale da Lei Rouanet; seu interesse, no caso, é evitar a manipulação de recursos públicos por culturocratas a serviço da fisiologia ideológica e do compadrio político.

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