segunda-feira, 13 de abril de 2009

Cinema Marginal

RIO - Perseguido e banido para os porões da censura militar, o cinema de guerrilha produzido durante a ditadura (1964-1984) é agora reconduzido à luz pela era digital. Trinta e oito títulos, entre longas e curtas-metragens, desse período experimental, um dos mais férteis da atividade no país, foram recuperados pela coleção de DVDs Cinema Marginal Brasileiro, que começa a chegar ao consumidor a partir de maio. Os quatro primeiros volumes são dedicados à obra dos diretores Andrea Tonacci, Rogério Sganzerla (1946-2004), André Luiz Oliveira e Elyseu Visconti, e contêm trabalhos considerados seminais do movimento, como Bang bang (1970), de Tonacci, e Meteorango Kid, o herói intergalático (1969), de Oliveira.


Trecho do filme "Abismu", de Rogério Sganzerla, onde Zé Bonitinho filosofa questões existenciais.


O lançamento é resultado de uma parceria inédita entre o selo maranhense Lume Filmes, especializado em DVDs de autores cultuados, com a paulista Heco Produções, que realizou em 2001 a primeira das três edições da Mostra Cinema Marginal. A última, organizada em Brasília, em 2004, depois de passar por São Paulo e Rio, exibiu mais de 50 títulos da safra marginal, que teve seu período mais produtivo entre meados dos anos 60 e dos 70. Muitas dessas raridades – algumas nunca lançadas no circuito comercial – agora fazem parte da série de DVDs, graças ao apoio da Cinemateca Brasileira.

– Ao longo das três edições da mostra marginal conseguimos recuperar a cópia de 16 filmes. Foi um sacrifício, já que, em muitos casos, a gente encontrava a imagem em algum lugar da Cinemateca e o som debaixo da cama do diretor – conta Eugênio Puppo, dono da Heco e idealizador da mostra e da coleção, à frente das pesquisas sobre o gênero desde 1999. – Caveira, my friend (1970), do Álvaro Guimarães, por exemplo, que estará num dos futuros volumes, tinha sido parcialmente destruído pelo próprio diretor depois da exibição do filme no Festival de Brasília. Ele levou os negativos para a rua e tacou fogo. Fomos arranjar uma cópia dele na Bahia.

Rompimento com o cinema novo

O movimento marginal surgiu como uma reação de diretores autorais à política de financiamento que vigorava na época e à repressão militar. Englobam filmes produzidos por um grupo de cineastas que encontraram no experimentalismo formal um caminho eficiente para manter-se em atividade. Embora persista até hoje, a denominação marginal é rejeitada até mesmo para alguns dos cineastas associados a esse movimento, como o diretor Júlio Bressane, que considera a questão “artificial”: “O Brasil já é uma margem; cinema marginal só se for para jogar no mar”, disse o diretor carioca no Festival de Gramado do ano passado.

O termo chegou a ser ridicularizado pelos então jovens seguidores do Cinema Novo, com qual os marginais romperam no campo artístico. A ideia de que os cinemanovistas haviam abandonado a pesquisa estética e abraçado fórmulas mais facilmente digeridas pelo público irritava os experimentalistas. O baiano Glauber Rocha (1939-1981), grande ícone do movimento, apelidou os rivais de udigrudi, uma referência ao underground americano.

– O Glauber esculhambou o nosso cinema e algumas pessoas que o ajudaram, como o próprio Bressane. Dizia que quem não estava no grupo dele era fascista. Queria nos derrubar porque a gente dizia que eles eram inimigos do verdadeiro cinema independente – ataca Elyseu Visconti, ex-assistente do autor de Deus e o diabo na terra do sol (1964) antes de aderir à guerrilha do cinema marginal. – Os ditos cinemanovistas, como Cacá (Diegues), o Walter (Lima Jr.), todos faziam filmes comunistas. Não tinham nenhum sopro renovador, era tudo mal copiado do neorrealismo italiano. O único que salva daquele grupo é o Nelson (Pereira dos Santos). Ele tem trabalhos modernos, como Vidas secas.

Elyseu Visconti traz a série Os monstros de Babaloo (1970), que tem Helena Ignez, Wilza Carla, Zezé Macedo e Betty Faria no elenco. Ficou 10 anos nos arquivos da censura federal, “por ser considerado pelos censores um atentado aos bons-costumes brasileiros”, como lembra o diretor. O volume dedicado a Sganzerla tem Sem essa, aranha (1970), um musical rodado no Rio e protagonizado por Jorge Loredo, no papel de Zé Bonitinho. Filmado em Belo Horizonte, Bang bang, de Tonacci, é conhecido pelo personagem interpretado por Paulo Cesar Pereio, que veste uma máscara de macaco. Feito em Salvador, Meteorango Kid, de Oliveira, segue um universitário (Antônio Luiz Martins) que apronta pela cidade.

– Um dado interessante confirmado por todos esses anos de pesquisa é que o cinema marginal não deve ser associado ao Rio e a São Paulo – frisa Puppo. – Encontramos filmes representativos do movimento em Minas Gerais, como Perdidos e malditos (1970), de Geraldo Veloso, que também vamos colocar na coleção de DVDs, e até uma quantidade significativa de títulos no Piauí.

21:04 - 07/04/2009
Carlos Helí de Almeida, Jornal do Brasil

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