Por Lúcia Rodrigues
O primeiro turno da eleição para a escolha do novo reitor da USP (Universidade de São Paulo) acontece no próximo dia 20. Oito professores estão inscritos para participar do pleito. Francisco Miraglia, do Instituto de Matemática e Estatística, concorre ao cargo em oposição à atual reitora, Suely Vilela.
A democratização da USP é a principal bandeira defendida pela campanha do docente, que conta com o apoio dos professores Antonio Candido, Aziz Ab’ Saber, Fábio Konder Comparato, Marilena Chauí e Maria Victória Benevides entre outros. “Defendo eleições diretas para todos os cargos executivos”, destaca Miraglia.
Atualmente, a escolha do reitor da USP é feita de forma indireta. Apenas um grupo reduzido pessoas tem direito a voto. A eleição acontece em uma espécie de colégio eleitoral e é realizada em duas etapas. No primeiro turno estão aptos a votar aproximadamente 1.900 representantes, que integram as congregações de institutos e faculdades, os conselhos centrais da reitoria e o Conselho Universitário, de um universo de 106 mil professores, funcionários e estudantes, que compõem a comunidade acadêmica.
O reduzido contingente eleitoral sofre um achatamento ainda mais drástico na segunda etapa do processo, que acontecerá no próximo dia 10 de novembro. Apenas 330 eleitores escolhem os três nomes que vão compor a lista tríplice que deverá ser encaminhada ao governador José Serra. Cabe ao tucano a decisão final sobre quem irá ocupar a cadeira de reitor da USP.
Falta de democracia
O voto dos representantes que participam do colégio eleitoral nos dois turnos do processo também não tem o mesmo valor entre si. O peso atribuído ao voto dos professores titulares, que são a minoria na universidade (1.059 docentes), é infinitamente superior ao atribuído ao dos professores doutores, associados, funcionários e estudantes.
Os docentes titulares são os únicos que podem concorrer ao cargo de reitor e são em sua maioria indicados pela reitoria para participarem desse colégio eleitoral com poder de decisão na disputa. Na segunda fase, apenas os representantes que participam dos conselhos centrais e do Conselho Universitário têm direito a voto. O Conselho Universitário, órgão de instância máxima da USP, tem 117 assentos.
“Os 2.700 professores doutores têm um representante no Conselho Universitário, os 1.300 professores associados têm um representante, os 86 mil alunos têm nove, 10 representantes e os 15 mil funcionários têm três representantes. Essa estrutura não presta, é uma estrutura do tempo da ditadura”, frisa Miraglia
É contra essa estrutura de poder da USP que o docente oposicionista se insurge. Sua candidatura foi forjada na luta coletiva. Ele já presidiu a Adusp (Associação de Docentes da USP) e coordenou o Fórum das Seis, entidade que representa professores, funcionários e estudantes das três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp). Também participou da direção do Andes, o sindicato nacional dos docentes de ensino superior.
Além da militância em defesa da educação, o docente acumula na bagagem intelectual a passagem pela presidência da Sociedade Brasileira de Lógica e pela do Centro Latinoamericano da Association for Symbolic Logic. Editou a Studio Lógica, da Academia Polonesa de Ciências, e edita a Logic Series de Polimetrica Scientific Publishers, de Monza, na Itália. Além disso, é professor visitante em várias universidades do mundo, como Oxford, Milão, Maryland e Paris VII.
Formado pela Escola Politécnica da USP, em engenharia eletrônica, e com doutorado pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, Miraglia não dará trégua a falta de transparência na universidade. Ele é contra qualquer tipo de cobrança de taxas pela USP. “A universidade gratuita, laica e democrática é uma bandeira nossa de muitos e muitos anos. É uma conquista da Constituição de 88, assegurada pelos movimentos sociais”, destaca.
O docente também combate a existência de cursos pagos oferecidos por fundações de direito privado que estão instaladas na Universidade. “Sou contra os cursos pagos. Porque o curso pago é certificado pela USP e dado por uma instituição que não tem permissão para o ensino.”
Miraglia também não concorda com a educação à distância proposta na formatação da Univesp (Universidade Virtual do Estado de São Paulo). Ele também quer acabar com a cláusula de sigilo para o conhecimento produzido pela universidade.
A Adusp realiza uma consulta entre os professores da USP para saber quem é o candidato preferido da categoria. Confira a seguir os principais trechos da entrevista como o professor Francisco Miraglia.
Caros Amigos Por que o senhor se candidatou a reitor da USP?
Francisco Miraglia A candidatura não é individual, é uma candidatura que representa as batalhas desenvolvidas ao longo da luta histórica de um conjunto significativo de docentes da USP, em defesa da universidade pública e da educação pública.
Caros Amigos Quais são as suas principais propostas?
Francisco Miraglia Uns dos principais pontos é a democratização da Universidade de São Paulo.
Caros Amigos Que tipo de democratização?
Francisco Miraglia Os diretores são escolhidos em lista tríplice pelo reitor ou reitora. Nós propomos acabar com isso.
Caros Amigos Como seria feita a escolha desses diretores?
Francisco Miraglia Defendo eleições diretas para todos os cargos executivos. O reitor ou reitora não escolherá mais quem prefere a partir de uma lista tríplice feita pela congregação da unidade, que é constituída em sua maioria só por professores titulares, com nível mais alto na carreira.
Caros Amigos A eleição direta que o senhor defende é paritária ou com voto universal?
Francisco Miraglia Essa é uma discussão. O que aprovamos em congressos e no plebiscito é a paridade. Mas essa é uma discussão e vamos entrar em outro ponto fundamental que é a estatuinte. Mas quero deixar claro o que é a paridade. São aproximadamente cinco mil professores, 15 mil funcionários e 86 mil alunos. Eleição paritária significa o seguinte: como tem cinco mil professores e 15 mil funcionários, o voto de um professor vale três vezes o voto de um funcionário e o voto de um professor vale 16 vezes o voto de um estudante. O voto do professor tem um peso consideravelmente maior do que as outras categorias. Existe também a proposta do voto por cabeça. Na Unicamp o peso atribuído aos professores é 60%, aos funcionários 20% e aos estudantes 20%. Existe a proposta da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), que é 70% docentes, 15% funcionários e 15% alunos. Então é preciso construir uma instância, que nós chamamos de estatuinte soberana, representativa com delegados eleitos pelos professores, estudantes e funcionários para discutir todas essas propostas e instituir o novo estatuto da Universidade de São Paulo. Uma estatuinte exclusiva e que se dissolve com a aprovação do estatuto.
Caros Amigos E a estatuinte será paritária?
Francisco Miraglia Paridade é certamente uma proposta, mas é uma questão para se discutir no interior da universidade.
Caros Amigos A reprodução da estrutura do Conselho Universitário para a elaboração desse estatuto está fora de cogitação?
Francisco Miraglia O Conselho Universitário é absolutamente impróprio para se fazer isso. É constituído em sua maioria por professores titulares, boa parte deles indicados pelo reitor. Os 2.700 professores doutores têm um representante no Conselho Universitário, os 1.300 professores associados têm um representante, de 86 mil alunos têm nove, 10 representantes e de 15 mil funcionários têm três representantes. Essa estrutura não presta, é uma estrutura do tempo da ditadura.
Caros Amigos O que mais o senhor considera que precisa mudar na USP?
Francisco Miraglia A Universidade de São Paulo está afastada das grandes questões nacionais do ponto de vista institucional. Precisa discutir políticas públicas de interesse da maioria da população brasileira.
Caros Amigos E em que tipo de políticas a USP poderia intervir?
Francisco Miraglia Política tributária. Parece que não tem nada a ver, mas é a partir da política tributária que se têm as verbas vinculadas da educação, da saúde etc. Porque a maior parte dos impostos no Brasil é indireta, portanto injusta, quem mais paga é quem menos ganha. Isso é altamente injusto. Quem é que tem mais chance de entrar na USP? É quem paga mais imposto relativamente ao que ganha ou quem ganha menos? Evidentemente a solução não é cobrar. Não quero que ninguém pague universidade pública, tem é de cobrar imposto.
Caros Amigos O senhor é contra essa ideia de que se estabeleça algum tipo de taxa, cobrança na universidade pública?
Francisco Miraglia Terminantemente contra. A universidade gratuita, laica e democrática é uma bandeira nossa de muitos e muitos anos. É uma conquista da Constituição de 88, assegurada pelos movimentos sociais.
Caros Amigos Como o senhor avalia a gestão da reitora Suely Vilela, especificamente, no episódio da invasão da USP pela tropa de choque da PM?
Francisco Miraglia Considero a presença da Polícia Militar no campus, para resolver questões universitárias, absolutamente, inapropriada. É preciso conversar, dialogar, criar canais de comunicação e compreensão. Isso não significa que todo mundo vai concordar com todo mundo. Mas vão ter de ocorrer soluções políticas, no sentido mais alto da palavra política. As propostas que interessam para o desenvolvimento do coletivo, sempre com o olho na responsabilidade social. Por isso, o nosso manifesto é por uma USP democrática, competente. Precisamos continuar produzindo ciência, arte, cultura da melhor qualidade, republicana. Hoje nossa instituição não tem nada de republicana e socialmente responsável.
Caros Amigos Como o senhor define a gestão da reitora Suely Vilela?
Francisco Miraglia A gestão da Suely foi marcada por ser administrada em um quadro autoritário, a estrutura de poder é autoritária e teve a invasão da Polícia Militar no dia 09 de junho. Foi uma violência enorme contra a autonomia da universidade e o corpo da universidade. A PM entrou no campus Butantã por responsabilidade da reitoria.
Caros Amigos Qual é a sua posição sobre as fundações de direito privado que estão instaladas na USP?
Francisco Miraglia Pode haver convênios entre a universidade pública e as entidades do setor privado, desde que esses convênios sejam estritamente ligados ao desenvolvimento do ensino, da pesquisa e extensão e que sejam estabelecidos por prazos determinados e submetidos à rigorosa fiscalização. Mas nós não concordamos com a delegação de qualquer atividade fim da universidade a uma instituição privada. Para ser bem concreto: sou contra os cursos pagos. Porque o curso pago é certificado pela USP e dado por uma instituição que não tem permissão para o ensino. Onde esta a permissão do MEC para administrar o ensino. Mas essa não é a questão mais fundamental. A questão fundamental é a violação do texto constitucional, que diz que o ensino será gratuito em todos os estabelecimentos oficiais.
Caros Amigos Além dos cursos serem pagos, as fundações utilizam o nome da USP, o corpo docente e a infraestrutura da universidade.
Francisco Miraglia Esses cursos certificados são inconstitucionais, não podem ser pagos.
Caros Amigos E por que isso persiste na USP?
Francisco Miraglia Falta controle, falta o crivo, falta o cultivo da prática republicana de separar o público do privado. E não é só na USP que isso acontece, a universidade não está divorciada da realidade social. Teremos como critério não permitir convênios entre a USP e qualquer fundação privada que tenha em sua administração ou no conselho curador, docente em tempo integral ou membros da administração da universidade ou do Conselho Universitário. Porque há evidente choque de interesses. Além disso, não aceitamos qualquer cláusula de sigilo sobre o conhecimento produzido pela universidade. Por exemplo, quando se faz a pesquisa, mas a empresa diz que não quer que se publique o resultado.
Caros Amigos Essa privatização do conhecimento acontece hoje na prática.
Francisco Miraglia Sim. Por isso, explicitamos em nosso programa que a cláusula de sigilo tem de ser banida. Não serão permitidos convênios com qualquer tipo de cláusula de sigilo do conhecimento produzido pela universidade. O conhecimento produzido pela universidade é público.
Caros Amigos Se eleito reitor, o que o senhor pretende fazer para aumentar o repasse do ICMS para a USP?
Francisco Miraglia Essa é uma questão complexa, depende de várias variáveis. Caso se dimiua a sonegação dos 9,57% eventualmente poderão sobrar recursos para se fazer outra universidade estadual da mesma qualidade da USP, Unesp e Unicamp. A questão da sonegação, da evasão fiscal é um lado. O outro lado é que se está dependurado em uma mistura de contas, 25% da folha são aposentados, é verba da Previdência, mas são descontados dos 9,57%. Não estão sendo aplicados na educação ativa. Hospital Universitário tem de atender à população. Evidentemente. Mas tem de ter o ressarcimento por parte da Secretaria de Saúde e do SUS Sistema Único de Saúde.
Caros Amigos Quais são suas propostas para o Hospital Universitário?
Francisco Miraglia O Hospital Universitário tem de ser mantido como hospital de ensino e pesquisa com atendimento a população. A regionalização pode ser uma ideia boa.
Caros Amigos Que tipo de regionalização?
Francisco Miraglia A que atende a população próxima, a regra do SUS.
Caros Amigos A gestão da reitora Suely Vilela e anterior fecharam a USP à população.
Francisco Miraglia Fecharam. Fizeram um muro em volta da universidade, o que é um absurdo.
Caros Amigos Quais são as suas propostas para os estudantes em relação à moradia estudantil, ao bandejão e aos circulares?
Francisco Miraglia Esse é um dos temas importantes do programa.
Caros Amigos O senhor foi morador do Crusp (Conjunto Residencial da USP), pegava ônibus circular, comia no bandejão?
Francisco Miraglia Fui. Mas muito pouco tempo, minha família era de São Paulo. Precisamos ter uma política efetiva de permanência estudantil, com destinação orçamentária especifica que atenda a demanda qualificada por moradia, alimentação e transporte.
Caros Amigos O que o senhor classifica como demanda qualificada?
Francisco Miraglia Deve se formar uma comissão pela administração da universidade, professores, estudantes e funcionários para estabelecer critérios para se fazer esses repasses. Vai depender de certos critérios socioeconômicos que precisa se estabelecer. Alguém na faixa de renda de 50 salários mínimos não vai precisar da política de permanência estudantil, agora alguém oriundo de uma família que receba três salários mínimos, provavelmente vai precisar. Por isso, é preciso se discutir, estabelecer a qualificação da demanda e atender toda a demanda que for qualificada. O corpo da universidade tem de discutir isso, não sou candidato a imperador.
Caros Amigos Quais são suas propostas para os funcionários da USP?
Francisco Miraglia Primeiro a manutenção de um canal de dialogo com os funcionários e com sua entidade representativa. Estabelecer uma carreira que seja justa, simples, baseada em critérios claros e que não dependa se o chefe gosta mais de mim eu subo e se não gosta eu não subo. Além disso, precisamos reverter a terceirização. O que a terceirização faz na realidade é permitir que a universidade pública participe da super exploração do trabalho na sociedade. A universidade pública que é sustentada pelo dinheiro da população, por imposto indireto, como ICMS, não pode tomar esse tipo de atitude. Por exemplo, na área de segurança, tem de ser funcionário contratado pela universidade, tem de ser funcionário público concursado. É preciso valorizar também o trabalho dos técnicos administrativos e dos que trabalham em laboratório. A universidade não funcionaria se não tivesse esses profissionais. Também precisamos incentivar a participação dos funcionários na aquisição do conhecimento que é produzido na universidade, precisamos abrir a oportunidade para fazerem cursos.
Caros Amigos Como o senhor vê cursos de educação à distância, como os propostos na formatação da Univesp?
Francisco Miraglia É possível utilizar os famosos TICs (Tecnologia de Informação e Comunicação) para fazer uma série de coisas, não tenho a menor dúvida de que cirugiões experientes podem via vídeo conferência, ao assistir um colega em hospital de Paris aprender uma técnica cirúrgica. Agora para a formação básica, inicial, a presencial é absolutamente fundamental. Conviver com os colegas, ter acesso à biblioteca, iniciação cientifica, aos laboratórios, à discussão com os professores, aos grupos de estudos, tudo isso é absolutamente fundamental, para a formação da reflexão critica da pessoa. As aulas presenciais para a formação básica são fundamentais. O que nos preocupa enormemente é que estão começando pelos professores, que vão formar as gerações futuras.
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