O CUSTO DA INDEPENDÊNCIA É A TEMÁTICA DA MOSTRA CINEBH 2008
EM FILMES, HOMENAGEM E REFLEXÃO
A produção independente de cinema no Brasil estará em pauta na perspectiva de mercado e na homenagem à produtora Sara Silveira
A Mostra CineBH 2008, que se consolida no calendário cultural da capital mineira a partir desta sua segunda edição, se propõe este ano o desafio de discutir a produção independente de cinema no Brasil – aquela que, sem contar com o apoio de grandes empresas de distribuição e divulgação, suscita importantes debates e atinge repercussão crítica no Brasil e no exterior, sem contudo chegar a um número expressivo de espectadores no circuito comercial.
Em um país que jamais conseguiu consolidar sua indústria cinematográfica, há um senso mais ou menos comum de que toda a produção é independente. Porém, quando se analisam os filmes brasileiros que chegam efetivamente ao grande público (bem como suas fontes de financiamento e divulgação), vê-se que há claramente uma diferença, de produção e resultados, entre filmes que contam com um aparato financeiro e mercadológico constituído e outros realizados à margem dessa estrutura.
Assim como ocorre em Hollywood, o Brasil também possui suas chamadas majors – os grandes estúdios norte-americanos com sede no Brasil, como Columbia, Fox, Warner, Universal e Buena Vista. Grande parte de nossa produção depende delas e da Globo Filmes, braço cinematográfico do grande conglomerado midiático brasileiro, sem as quais, na concorrência pela ocupação das salas de cinema, estaria sem uma forte rede de divulgação/exibição.
Conseqüentemente, se existem as majors brasileiras (mesmo sendo, no caso dessas distribuidoras-produtoras, de matrizes americanas), existem os que se viabilizam sem essas empresas, os independentes, cujo valor não é medido por quantidade de cabeças, ou de dígitos, mas pela capacidade de ser expressivo no audiovisual contemporâneo, seja pelo tratamento do assunto sobre o qual se debruça, seja por suas opções estéticas formais.
Entre os 25 filmes brasileiros com maior bilheteria nos anos 2000, 21 foram distribuídos pelas majors e apenas um não teve apoio da Globo Filmes– o fenômeno de pirataria Tropa de Elite. Esses 25 filmes representam menos de 8% do total de longas-metragens brasileiros lançados em circuito comercial no mesmo período, mas responderam por quase 70% do público da produção nacional nos últimos oito anos. A má distribuição de renda do país encontra seu correlato no campo dos filmes lançados em salas de exibição.
O cenário é completamente diferente quando levamos em conta alguns dos filmes de maior repercussão em festivais nacionais e internacionais. Se tomarmos como referências filmes como Madame Satã (selecionado para Cannes, Sundance e Toronto), Lavoura Arcaica (premiado em Brasília, Havana e Biarritz), Amarelo Manga (premiado em Berlim, Brasília e Toulouse), Cidade Baixa (premiado em Cannes, Huelva e Miami), O Invasor (premiado em Brasília, Havana e Sundance), O Céu de Suely (selecionado para Veneza) e Cinema, Aspirinas e Urubus (premiado em Cannes), veremos um cenário distinto: distribuidoras nacionais, sem vínculos com emissoras de TV; produções de orçamento mais modesto e realizadas muitas vezes em co-produção com países europeus; e uma média de público no circuito comercial entre 70 e 150 mil espectadores.
“Quando se discute cada vez mais a necessidade de preservação da diversidade cultural, é urgente e fundamental colocarmos em pauta essa produção que se viabiliza sem o apoio das majors e da Globo Filmes. Não para tratá-la como vítima de um mercado que, ademais, não tem dado na maioria das vezes retorno expressivo nem mesmo para aqueles filmes que contam com essa rede de distribuição e divulgação, mas sim para analisar suas particularidades e escolhas, buscando encontrar caminhos pelos quais tal produção possa chegar ao seu público”, afirma Leonardo Mecchi, crítico e curador juntamente com Cléber Eduardo desta edição da Mostra CineBH.
Em torno do conceito central da mostra, O CUSTO DA INDEPENDÊNCIA, estarão em questão pontos nevrálgicos da discussão sobre essa produção independente, como seu enfoque e abrangência. É viável conciliar projetos autorais regidos pelo desejo de expressão com o atual cenário do circuito exibidor, onde mesmo projetos milionários e com forte apoio da mídia não são garantia de sucesso de bilheteria? São questões como essa que pautarão a programação de filmes e debates da Mostra CineBH 2008, que se lança ao desafio de expor as características dessa independência e o espaço cultural ocupado (ou não) por ela, sem com isso se converter em palco de reclamações, mas, ao contrário, procurando esboçar um diagnóstico e ao mesmo tempo proposições para expandir o alcance desses filmes.
“A Mostra CineBH é um novo espaço de formação, reflexão, discussão e exibição do cinema brasileiro em intercâmbio com o mundo com foco no mercado audiovisual. A edição de 2008 pretende gerar uma visibilidade e discussão sobre o contexto da produção e distribuição independente – qual o espaço de exibição do cinema brasileiro no seu país?”, ressalta Raquel Hallak, coordenadora geral do evento e diretora da Universo Produção.
HOMENAGEM A SARA SILVEIRA
Para representar essa produção independente, que busca espaço em meio a um mercado dominado, viabilizando produções de orçamento modesto e apostando no risco e no talento de novos diretores, a Mostra CineBH 2008 escolheu como homenageada desta edição a produtora gaúcha, radicada em São Paulo, Sara Silveira.
“Me sinto honradíssima de ser homenageada pela Mostra CineBH, feita por pessoas que eu tanto prezo. Fico feliz pois é muito difícil se homenagear produtor no Brasil”, declara Sara Silveira. “Produção independente é um ato de heroísmo mesclado com competência, disciplina e muita vontade. Com as leis de incentivo do país, fazer filmes não é tão difícil, mas distribuí-los continua muito complicado. Aí está o problema do cinema brasileiro, aí está o gargalo: entre a produção e a exibição".
Sócia-fundadora da Dezenove Som e Imagens, Sara Silveira tornou-se conhecida justamente a partir de um momento difícil para a produção de cinema – o início dos anos 90 – quando manteve-se fiel a um espírito cinematográfico que, com toda a distância cultural e de contexto, remete ao cineasta americano Samuel Fueller, para quem o cinema é um campo de batalha.
Sara, nesse campo, é uma guerreira. Aliou-se ao segmento mais autoral dessa produção, produzindo jovens realizadores – como Anna Muylaert (Durval Discos) e Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus) –, até um realizador experiente, porém de espírito inquieto, como Carlos Reichenbach – opções essas bastante claras de seu gosto pela expressão e não pela expansão.
“Sara Silveira tem como prática associar-se a filmes que ela acredita que precisam existir, independentemente dos resultados que possam vir a ter nas bilheterias, resultados esses que advém de contingências que não dizem respeito exclusivamente aos filmes propriamente ditos, mas à estrutura na qual estão inseridos”, analisa Cléber Eduardo.
Formada em Ciências Jurídicas e Sociais, Sara Silveira iniciou-se no cinema como assistente de produção em Nasce Uma Mulher (1982), de Roberto Santos, função que exerceu também em filmes como Além da Paixão (1984), de Bruno Barreto, Filme Demência (1985), de Carlos Reichenbach, e O País dos Tenentes (1986), de João Batista de Andrade. Passou depois pelas funções de diretora de produção e produtora executiva, até fundar em 1991, juntamente com o cineasta Carlos Reichenbach, a Dezenove Som e Imagens.
Foi através da Dezenove que Sara Silveira produziu alguns dos mais importantes filmes brasileiros dos últimos 20 anos, como Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, Durval Discos, de Anna Muylaert, Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky, Ação Entre Amigos, de Beto Brant, além dos filmes de seu sócio e parceiro, Carlos Reichenbach, como Alma Corsária, Bens Confiscados e Falsa Loura.
Suas produções têm ótima repercussão junto à crítica e em festivais nacionais e internacionais – já tendo sido selecionados ou premiados em festivais como Cannes, Veneza, Rotterdam, Sundance, Locarno, Trieste, Biarritz, Montreal, Toronto, Mar del Plata, Guadalajara, San Sebastian, Havana, Brasília e Gramado – embora dificilmente alcance resultados expressivos nas bilheterias.
Sara Silveira também se destaca por apostar no lançamento de novos cineastas, tendo produzido os longas de estréia de Marcelo Gomes, Anna Muylaert e Laís Bodanzky. Suas próximas apostas são Esmir Filho, Juliana Rojas e Marco Dutra, diretores já veteranos no Festival de Cannes com seus curtas e que terão suas estréias em longa-metragem produzidas pela Dezenove.
Além de sua participação em debates do 2º Seminário do Cinema Brasileiro: perspectivas de mercado e linguagens, onde compartilhará suas experiências e aprendizados em mais de 20 anos de produção, serão exibidas algumas amostras de seus trabalhos, como Alma Corsária e Durval Discos, além de uma sessão de curtas-metragens produzidos por ela, símbolo de sua aposta em jovens realizadores.
“Esses dois títulos foram escolhidos por simbolizarem, na filmografia da Sara, duas faces de uma mesma aposta autoral como produtora. Alma Corsária é uma produção de um cineasta já experiente, Carlos Reichenbach, que acabou tornando-se seu principal parceiro, enquanto Durval Discos é uma aposta em uma nova realizadora, Anna Muylaert, que possui um universo muito particular, característica comum aos diretores com quem ela trabalha”, explica Cléber Eduardo.
A Mostra CineBH 2008 acontecerá entre os dias 30 de outubro e 04 de novembro na Vila do Cinema, a ser erguida em Santa Tereza, tradicional bairro da capital mineira. A Vila é composta pelo Cine-Praça (espaço para mais de 1.000 espectadores), Cine-Tenda (com 400 lugares), e o precioso Cine Santa Tereza (com uma platéia de 500 lugares), prédio arquitetônico e urbanístico expressivo da história cultural e do cinema em Belo Horizonte, fundado em 1944 e desativado desde 1980, que ressurge mais uma vez como protagonista da Mostra CineBH.
A Mostra CineBH é novo esforço da Universo Produção em ajudar a conhecer, compreender e difundir o cinema nacional – a exemplo do que já faz, de forma diferenciada e complementar, nas edições anuais da Mostra de Cinema de Tiradentes [centrada na produção contemporânea, em janeiro] e na CineOP [que difunde o audiovisual como patrimônio, em junho, em Ouro Preto.
Entre 30 de outubro e 4 de novembro serão exibidos 68 filmes em 37 sessões gratuitas e abertas ao público. O roteiro de atividades pode ser acessado pelo site oficial do evento:
www.cinebh.com.br. Mais informações pelo telefone (31) 3282-2366.
Mostra CineBH 2008
30 de outubro a 04 de novembro de 2008
Idealização e realização: Universo Produção
Promoção: Prefeitura de Belo Horizonte
Parceria: APPA – Associação Pró-Cultura do Palácio das Artes
Patrocínio: Oi, Petrobras, BNDES
Incentivo: Lei Federal de Incentivo à Cultura