sábado, 26 de setembro de 2009

Patrimônio vivo da cultura, Vila Itororó pode ter seus moradores despejados


A Vila

A Vila Itororó é uma construção de 1920, na rua Martiniano de Carvalho, entre o Bexiga e a Bela Vista. Construído pelo imigrante português Francisco de Castro, o prédio recebeu esse nome por estar localizado na nascente do antigo Rio Itororó. Sua arquitetura é peculiar, objeto de estudos científicos em arquitetura e urbanismo. Foi erguida com restos de materiais de um antigo teatro que havia sido demolido na região e foi a primeira casa com piscina na cidade de São Paulo, motivo para agregar a comunidade local em seu entorno.

Tombado pelo CONPRESP (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo), o conjunto possui 37 casas interligadas por um pátio, com a piscina no centro, num espaço de 4,5 mil metros quadrados.

Foi declarada de utilidade pública em 2006, quando se iniciou o processo de desapropriação em face da Fundação Leonor de Barros Carvalho. A Fundação, que administrava a Vila e cobrava o aluguel dos moradores, abandonou-a completamente desde 1997. A partir de então, coube aos moradores a preservação do local, sem qualquer apoio público.

O aspecto histórico embasa e demanda a ação de preservação do patrimônio cultural constituído pela Vila. Contudo, o projeto de construção do centro cultural, como está posto, exclui a sua população, historicamente ligada à região.


Cultura e moradia: direitos incompatíveis?

Para a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Raquel Rolnik, é necessário que um projeto cultural como esse seja compatível com a questão habitacional. Relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada, ela afirma ser possível a concepção de um projeto que una a finalidade cultural à permanência dos moradores.

“É necessário que se leve em conta os indivíduos que ali residem, vivem e trabalham já há tantos anos. A função moradia é plenamente compatível com a função centro cultural. Ainda mais se a cultura for vista como parte da vida e não apenas como espetáculo”, diz Rolnik.

A opinião é compartilhada pelo professor Celso Fernandes Campilongo, da Faculdade de Direto da USP, que, em artigo publicado no Estado de São Paulo, em de 12 de agosto desse ano, enfatizou: “cultura e moradia não são valores antagônicos”.

No texto, o professor contextualiza a desapropriação para a construção do centro cultural na problemática do centro de São Paulo. Segundo ele, “um dos grandes problemas do centro de São Paulo é justamente não possuir moradores. Fica deserto após o horário comercial. A ideia do centro cultural amplia o erro. Um dos grandes problemas do País é o déficit de oito milhões de moradias. Qual a contribuição da proposta da Prefeitura para a questão? Nenhuma. Por que não combinar as soluções? Basta, simplesmente, defender o patrimônio cultural, reconstruir e equipar a Vila Itororó, como deve ser feito, e, também, oferecer condições de habitabilidade ao conjunto urbano”.

Um projeto com esse escopo já existe. Foi desenvolvido pelo grupo Vida Associada, composto por alunos da Faculdade de Arquitetura do Mackenzie, e discutido com os moradores e com outros grupos que vem apoiando a Vila Itororó.

Um desses grupos é o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU-SP), de estudantes da Faculdade de Direito da USP. Paulo Leonardo Martins, integrante do SAJU, afirmou que o projeto alternativo é viável e poderia ser considerado pela prefeitura. “Seria paradigmático. Uma maneira de utilizar a revitalização do centro como forma de valorização do espaço e das pessoas, baseado na integração dos usos habitacional e cultural e na manutenção do vínculo e das relações ali estabelecidas”, disse.

Sem ouvidos nem satisfações

A dificuldade, entretanto, está na falta de diálogo com a prefeitura. Desde o início do processo de desapropriação, em 2006, nunca houve uma audiência para a tentativa de compatibilização dos projetos de modo a manter os moradores no local. Tampouco para uma explicação acerca da finalidade do projeto e da solução para o problema da perda das casas.

Quem explica isso é Antonia Candido, moradora da Vila Itororó há 28 anos, integrante da Associação dos Moradores da Vila Itororó (AMAVILA). “Nunca nos deram satisfação alguma. Tudo o que sabemos é pela imprensa, quando saem notícias sobre a Vila, sobre o bolsa-aluguel de R$ 300,00 ou o prédio não sei aonde que vão construir. Mas, e nós? É nossa cultura, nossa casa, nossa vida. Tem que nos perguntar se estamos de acordo com isso!”.

Antonia afirma que há uma dificuldade ainda maior, pelo fato de a prefeitura tratar a Vila como se fosse uma invasão ou uma ocupação. Todos os moradores da Vila, segundo ela, sempre pagaram aluguel à fundação proprietária, que abandonou a administração e o cuidado com o espaço. Assim como a prefeitura, que desde a declaração de utilidade pública, nunca mais destinou recursos para conservar o local.

Cultura da Vila ou cultura para a Vila?

A professora Raquel Rolnik destaca a origem operária da Vila, que abrigava os trabalhadores do Bexiga, e a importância cultural de essa memória urbana ser preservada. “A Vila Itororó é um dos focos da vida cultural do Bexiga, uma das regiões de maior riqueza cultural de São Paulo. A preservação da memória operária e urbana da Vila é essencial para a própria memória cultural da cidade. Esse viés operário da história e da produção cultural tem que ser considerado”, afirma.

Atualmente, além de objeto de estudos de arquitetura, urbanismo e patrimônio histórico, a Vila Itororó, como explica a moradora Antonia Candido, é espaço de locação para novelas e filmes, para a pesquisa de diversas linguagens artísticas e para apresentação de vários grupos de teatro. Os grupos (Em)pulso Coletivo e Mapa Xilográfico são dois que adotaram a Vila – ou foram adotados por ela.

Ator e diretor do (Em)pulso, Jorge Peluso reafirma a vocação cultural da Vila Itororó. A ação artística de seu grupo, desenvolvida sem apoio financeiro, envolve artes cênicas, música, cenografia, vídeo, arquitetura e antropologia. Mas sua atuação, para além das artes, abrange os demais coletivos que freqüentam o espaço, no intuito de desenvolver, juntamente com os moradores, uma política cultural específica para a Vila, que se contraponha à política implementada pela prefeitura.

“A importância do patrimônio cultural da Vila”, diz Peluso, “está na interação das pessoas com o prédio, no uso cotidiano que se faz dali, na convivência, na memória das famílias e no valor simbólico desse conjunto. Qualquer projeto de cultura para a Vila tem que levar tudo isso em conta”.

De acordo com Raquel, “há um erro estratégico em se construir um centro cultural num lugar que já é um centro cultural. Construir algo ali, eliminando sua população, é desconsiderar toda a diversidade étnico-cultural existente, a convivência cultural estabelecida e a grande produção cultural historicamente realizada nesse importante espaço do Bexiga”.

Paulo Leonardo, do SAJU, garante que a população tem clareza da importância de cada morador para a história da Vila. Com os outros membros do SAJU, ele desenvolveu várias discussões com os moradores sobre temas como educação popular e concepção de cultura. “Os moradores têm firme convicção sobre o papel cultural que exercem e plena consciência que um centro cultural construído ali vai trazer cultura consumível não para eles, mas apenas para quem tem dinheiro para consumir”, resume.

Um comentário:

  1. Olá companheiro


    Dá uma olhada no blogue:
    http://assessoriajuridicapopular.blogspot.com

    Um abraço

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