Há 20 anos, morria o 'maluco beleza' do rock brasileiro
Em 1973, Raul Seixas cantou pela primeira vez que era uma mosca que nem o inseticida DDT poderia exterminar. E 20 anos depois de sua morte, completados nesta sexta-feira (21), o cantor e compositor baiano continua fazendo barulho com seu legado.
Durante essas duas décadas que marcaram a ausência do "maluco beleza", um grande número de seguidores ainda faz de seu nome um dos ícones do rock nacional e da contracultura brasileira, responsável por mostrar ao público as ideias do ocultista inglês Aleister Crowley e por afinar uma parceria com Paulo Coelho, entre 1972 e 1982, com letras carregadas de temas esotéricos.
Raulzito, como era chamado por sua legião de fãs, lançou uma série de sucessos como "Ouro de Tolo", "Rock das Aranhas", "Gita", "Aluga-se", "Maluco Beleza", "Eu Nasci Há Dez Mil Anos Atrás" e "Sociedade Alternativa". Todo seu legado está perpetuado no famoso bordão gritado pela platéia em shows --seja qual for o gênero musical: "toca Raul!".
Raul Seixas nasceu em Salvador, na Bahia, no dia 28 de junho de 1945, e realizou uma mistura singular de música regional nordestina, especialmente influenciado por Luiz Gonzaga, com o rock and roll. Sua música "Mosca na Sopa" é um exemplo notável desta mistura. Durante sua carreira, lançou 19 discos de estúdio em vida, e suas músicas foram reunidas em mais de 20 coletâneas.
O cantor sofreu uma parada cardíaca e foi encontrado morto em seu apartamento, em São Paulo, aos 45 anos, no dia 21 de agosto de 1989. Dois dias antes, tinha lançado o disco "A Panela do Diabo", com Marcelo Nova.
O rock brasileiro não seria o mesmo"
Sempre há uma canção de Raul Seixas para algum momento da vida. A conclusão é do jornalista Silvio Essinger, autor de “O baú do Raul revirado” (2005), uma reedição do material biográfico do músico baiano organizado por Tárik de Sousa em 1992. “Vinte anos depois de sua morte, a importância dele no cenário nacional continua forte”, diz.
Gravado por bandas de rock como o De Falla (“Como vovó já dizia”) à dupla sertaneja Chitãozinho e Xororó (“Tente outra vez”), Raulzito passou a fazer mais sucesso depois de morto (no dia 21 de agosto de 1989), segundo Essinger. “Poucos artistas foram gravados por esse espectro todo da música brasileira. Ele ficou muito famoso no começo dos anos 70, mas comercialmente a coisa foi ladeira abaixo. Depois de morto, ele teve um sucesso que jamais poderia imaginar.”
Para o especialista, o chamado rock brasileiro não teria essa cara hoje se não fosse por Raul Seixas. “Ele foi um dos arquitetos desse negócio. A composição dele tinha uma flexibilidade de conseguir incorporar vários estilos. O rock era sua obsessão, mas ele tinha o DNA da canção que ia desde a música brega ao baião até a canção americana. Raul usava o rock como ponto de partida para um artesanato da canção que poucos compositores brasileiros conseguiram."
Essinger cita a letra de “As aventuras de Raul Seixas na cidade de Thor” para ilustrar o tipo de humor do artista: “Buliram muito com o planeta / E o planeta como um cachorro eu vejo / Se ele já não aguenta mais as pulgas / Se livra delas num sacolejo”.
“Tudo o que o Al Gore quis dizer foi resumido em quatro versos”, observa Essinger. “Raul usa a linguagem do cordel, do repente, em uma música que é um rock. A genialidade dele está aí. O músico também radiografou muito bem a classe média nos anos Médici em ‘Ouro de tolo’.”
Segundo o autor, Raul Seixas surpreendeu até mesmo na época em que ele era considerado ultrapassado. “Quando achavam que estava decadente, ele surge com o ‘Carimbador maluco’, uma canção infantil que tem um texto altamente filosófico. Muita gente conheceu Raul Seixas nessa fase.”
Raulzito vive
Um livro, uma exposição, uma peça de teatro e até uma passeata em São Paulo homenageiam os 20 anos da morte do roqueiro baiano. Nesta sexta (21), cerca de 20 mil fãs são esperados por volta das 13h em frente ao Teatro Municipal, no Centro da cidade. De lá, a passeata segue em direção à Catedral da Sé, às 18h, passando pelo Viaduto do Chá.
Com lançamento marcado para sábado (22) na Galeria do Rock, o livro “Metamorfose ambulante” (editora B&A) - escrito por Mário Lucena, Laura Kohan e Igor Zinza, com coordenação de Sylvio Passos, presidente do fã-clube do cantor - promete revelar “um Raul Seixas que o público não conheceu”.
Já a peça “À espera do trem das 7”, escrita e encenada pelo ator pernambucano Samuel Luna, fica em cartaz de 19 a 23 de agosto no Teatro Commune, na capital paulista. O espetáculo se passa entre a hora da morte de Raul Seixas e o momento em que seu corpo foi encontrado. Coincidência ou não, o trem ao qual a letra se refere simboliza a morte. No palco, Luna, que também é músico, conta com a participação ao vivo do pianista Leornado Siqueira.
O Maluco Beleza também será lembrado na exposição “O prisioneiro do rock”, ensaio fotográfico feito pelo “mestre do terrir” Ivan Cardoso. Em cartaz até 27 de setembro no Museu Afro Brasil, a mostra apresenta 21 fotografias em grande formato (originais em branco e preto) e nove montagens com intervenções coloridas, além de capas de discos e livros sobre o artista.
Neste domingo (23), o sósia Paulo Mano participa do show Toca Raul!, no Sesc Santo André. No tributo, ele se apresenta acompanhado da Banda Novo Aeon.
CD e DVD
Raul Seixas cantava rock numa época em que isso era quase uma excentricidade no Brasil. Sempre foi um artista essencialmente popular, e isso, ao mesmo tempo em que proporcionou uma identificação com o público que continua mesmo após a sua morte, também lhe valeu o desprezo de parte da crítica.
O sucesso de público, no entanto, demorou para chegar para o cantor. Seu primeiro álbum, Raulzito e os Panteras (1968), não emplacou. O segundo, Sessão das 10 (gravado em parceria com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Edy Star), teria sido produzido em segredo. A lenda, nunca oficialmente confirmada, diz que as gravações aconteceram sem o conhecimento da direção da gravadora CBS, onde Raul trabalhava na época.
Foi só com o disco Kring-Ha Bandolo, de 1973, que o cantor foi reconhecido. Nele estão seu primeiro sucesso, "OUro de Tolo", e mais duas músicas que se tornariam clássicos de sua carreira, "Metamorfose Ambulante" e "Mosca na Sopa".
Metade das faixas foi escrita em parceria com Paulo Coelho. A parceria entre ele e Raul durou diversos discos, e ainda rendeu sucessos como "Gita" (1974) e "Tente Outra Vez" (1975).
A metade dos anos 1970 é considerada a fase clássica de Raul Seixas. Isso não significa, porém, que tenha sido uma época fácil para ele. Junto com o sucesso, vieram os problemas com a ditadura militar. Teve diversas canções censuradas e, em 1974, chegou a ser preso e torturado pelo Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Por causa disso, passou uma temporada nos Estados Unidos.
É dessa época a canção "Gospel", composta em parceria com Paulo Coelho para a trilha sonora da novela "O Rebu". A versão completa da música só foi lançada agora, na esteira dos vinte anos da morte de Raul. Em 1974, a música saiu com cortes impostos pela censura. O áudio original, no entanto, foi guardado pelo produtor Marco Mazzola, que agora a lançou com nova produção e participação de Roberto Frejat. A canção está no CD 20 Anos sem Raul Seixas, que chega às lojas na semana que vem.
Mazzola, amigo e produtor de Raul Seixas, organiza o CD, que traz takes alternativos, alguns sucessos em inglês - "Morning train" (Trem das sete), "Fool's gold" (Ouro de tolo) e "White wings" (Asa Branca), além da faixa inédita "Gospel", censurada em 1974.
O lançamento da MZA traz ainda um DVD com a reedição do VHS "Raul Seixas também é documento", lançado originalmente em 1998. Com direção de Paulo Severo, o vídeo traz imagens pessoais de Raul com Paulo Coelho, Sergio Sampaio, Nelson Motta, além de entrevistas com Marilia Gabriela, Pedro Bial, clipes e trechos de shows, incluindo uma de suas últimas apresentações, ao lado de Marcelo Nova (ex-Camisa de Vênus).
fonte: Portal Vermelho
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